Meninas sentadas lendo.
em ALMADA a cena do corpo,
Centro Cultural de Belém
Mia
Couto
Uma palavra de conselho e um conselho sem palavras **
Sou
escritor e cientista. Vejo as duas actividades, a escrita e a ciência, como
sendo vizinhas e complementares. A ciência vive da inquietação, do desejo de
conhecer para além dos limites. A escrita é uma falsa quietude, a capacidade de
sentir sem limites. Ambas resultam da recusa das fronteiras, ambas são um passo
sonhado para lá do horizonte. A Biologia para mim não é tanto uma disciplina
científica mas uma história de encantar, a história da mais antiga epopeia que
é a Vida. É isso que eu peço à ciência: que me faça apaixonar. É o mesmo que eu
peço à literatura.
Muitas
vezes jovens me perguntam como se redige uma peça literária. A pergunta não
deixa de ter sentido. Mas o que deveria ser questionado era como se mantém uma
relação com o mundo que passe pela escrita literária. Como se sente para que os
outros se representem em nós por via de uma história? Na verdade, a escrita não
é uma técnica e não se constrói um poema ou um conto como se faz uma operação
aritmética. A escrita exige sempre a poesia. E a poesia é um outro modo de
pensar que está para além da lógica que a escola e o mundo moderno nos ensinam.
É uma outra janela no nosso olhar sobre as coisas e as criaturas. Sem a
arrogância de as tentarmos entender. Só a ilusória tentativa de nos tornarmos
irmãos do universo.
Não
existem fórmulas feitas para imaginar e escrever um conto. O meu segredo (e que
vale só para mim) é deixar-me maravilhar por histórias que escuto, por
personagens com quem cruzo e deixar-me invadir por pequenos detalhes da vida
quotidiana. O segredo do escritor é anterior à escrita. Está na vida, está na
forma como ele está disponível a deixar-se tomar pelos pequenos detalhes do
quotidiano.
O conto é feito com pinceladas. É um quadro sem moldura, o início inacabado de uma história que nunca termina. O conto não segue vidas inteiras. É uma iluminação súbita sobre essas vidas. Um instante, um relâmpago. O mais importante não é o que revela mas o sugere, fazendo nascer a curiosidade cúmplice de quem lê. No conto o que é importante não é tanto o enredo mas o surpreender em flagrante a alma humana. No conto (como em qualquer género literário) o mais importante não é o seu conteúdo literário mas a forma como ele nos comove e nos ensina a entender não através do raciocínio mas do sentimento (será que existem estas categorias, assim separadas ?).
O conto é feito com pinceladas. É um quadro sem moldura, o início inacabado de uma história que nunca termina. O conto não segue vidas inteiras. É uma iluminação súbita sobre essas vidas. Um instante, um relâmpago. O mais importante não é o que revela mas o sugere, fazendo nascer a curiosidade cúmplice de quem lê. No conto o que é importante não é tanto o enredo mas o surpreender em flagrante a alma humana. No conto (como em qualquer género literário) o mais importante não é o seu conteúdo literário mas a forma como ele nos comove e nos ensina a entender não através do raciocínio mas do sentimento (será que existem estas categorias, assim separadas ?).
[…]
O que
interessa para o conto é o conflito interior das pessoas, o pequeno detalhe de
quem se surpreende e se descobre um outro. Portanto, o único conselho é este:
escutar. Tornarmo-nos atentos a vozes que fomos encorajados a deixar de ouvir.
Tornemos essas vozes visíveis. E mantermos viva essa capacidade que já tivemos
na nossa infância de nos deslumbrarmos. Por coisas simples, que se localizam na
margem dos grandes feitos.
[…]
Regresso,
por fim, ao universo da escrita literária. Só se escreve com intensidade se
vivemos intensamente. Não se trata apenas de viver sentimentos mas de ser
vivido por sentimentos.
Sem comentários:
Enviar um comentário