segunda-feira, 12 de dezembro de 2011


13ª. semana ~ de 12 a 16 de dezembro









  • Apresentação dos trabalhos.

  • Avaliação.


OS LIVROS

É então isto um livro,
este, como dizer?, murmúrio,
este rosto virado para dentro de
alguma coisa escura que ainda não existe
que, se uma mão subitamente
inocente a toca,
se abre desamparadamente
como uma boca
falando com a nossa voz?
É isto um livro,
esta espécie de coração (o nosso coração)
dizendo 'eu' entre nós e nós?

Manuel António Pina, in Como se desenha uma casa





terça-feira, 6 de dezembro de 2011


12ª. semana ~ de 5 a 9 de dezembro









  • Apresentação dos trabalhos.
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n.º 8 - Daniela Martins - de Isabel Allende, A ilha debaixo do mar






quarta-feira, 30 de novembro de 2011


11ª. semana ~ de 28 de novembro a 2 de dezembro




imagem: aqui


  • Teste sumativo.


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  • 30 de novembro de 2011, como bem lembra Amélia Pais, "Fernando Pessoa - evocação dos 76 anos depois de deixar de ter sido visto".

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HETERONÍMIA

As máscaras que se olham

José Saramago


Naquele jazigo do cemitério dos Prazeres, onde durante cinquenta anos os restos de Fernando Pessoa foram esquecidos (agora os transportaram para o Mosteiro dos Jerónimos e acomodaram em arca nova, perante uma plateia fúnebre de ministros e secretários de Estado), havia, como é costume cristão, uma cruz. De mármore, ou outra pedra calcária menos nobre, colocada a prumo sobre a fachada insignificante, o conhecido símbolo derramava sobre o defunto bênçãos para o imediato e promessas de eternidade. De quanto valham umas e outras não sou eu o competente contabilista, nem seria esta a ocasião para se apurarem transcendências tais. Digamos, no entanto, porque em algum ponto de doutrina terei de comprometer-me, que me incluo entre os cépticos.

Ora, a cruz desapareceu, já não está lá. Partiram-na ao rente do pé, deixando o jazigo subitamente nu, com aquele ar friorento e sem jeito que têm os homens quando lhes cortam o cabelo, ou as árvores quando são podadas. Não se sabe quem foram os autores do atentado sacrílego, desconhecem-se as razões do atrevimento. Mas a alma portuguesa, a mística alma, não pode deixar de sentir-se confortada ante o acto magnífico de roubar-se uma cruz de pedra só porque, durante meio século, ela velou o último sono de um poeta. Portugal, afinal de contas, não está perdido se filhos seus mantêm esta fé e praticam esta coragem. Acredito que sobre a cruz e o furto possam vir a ser lançados os alicerces de um culto novo, de que Fernando Pessoa seria, ao mesmo tempo, profeta e livro. E também não me surpreenderia se me viessem dizer que a esta mesma hora, numa qualquer cave de Lisboa, uma congregação de neófitos já vai elaborando um rito e inventando orações, ou simplesmente adaptando os velhos passes de mágica à nova esperança de redenção.

Há sempre um fundo de tristeza na ironia: a esta pouco lhe faltou para atingir a lágrima. Claro que não cairei na banalidade de interrogar-me sobre se Portugal merecia este poeta, como não pergunto se mereceu Camões. Mas torna-se cada vez mais evidente o carácter redutor da relação que, preconcebidamente ou pela obscura força das circunstâncias de tempo e de lugar, se está estabelecendo entre os portugueses vivos que hoje somos e o poeta morto e trasladado, mais emblema, ele, que homem, mais símbolo difuso que discurso coerente, mais pretexto evasivo que afirmação peremptória.

É possível que Fernando Pessoa tenha nisto grande responsabilidade. Homem de máscaras que olham máscaras, é como se só máscaras o pudessem ler e porventura compreender. Mas o que, sendo assim, produziria infalivelmente uma constelação de sentidos, de significados, de leituras infinitamente abertas e nunca conclusivas, veio, pelo contrário, a esbarrar com a tentação de definir um Fernando Pessoa unificado, do qual, por mera ramificação sucessiva, tivessem nascido heterónimos em qualquer momento reversíveis ao seu ponto de partida. Trabalho vão, em meu entender. Cada um de nós é quem é, mas aquele que em nós faz é outro. Fernando Pessoa soube-o melhor que ninguém, e os heterónimos, mais do que «drama em gente», são, cada um deles, a expressão individualizante de um conteúdo plural que se tornou singular no seu fazer-se, um ser que é diferente porque diferente foi o fazer dele.

Posta a questão nestes termos, seria fascinante ler Ricardo Reis como Ricardo Reis, e não como Fernando Pessoa. E o mesmo com Álvaro de Campos. Ou Alberto Caeiro. Ou Bernardo Soares. E todos os esboçados e inacabados heterónimos como crianças ou adolescentes que não puderam crescer, mas que eram já, no que foram, outros. E finalmente duvidar que os poemas ortónimos tenham sido realmente escritos por um Fernando Pessoa, tal como ele, com esse próprio nome, duvidou da sua existência. Estaríamos, aí, em pleno campo da esquizofrenia (com ressalva do emprego não de todo adequado da expressão), mas, correndo os riscos de quem ousa um passo em terreno tão instável, poderíamos agora interrogar-nos sobre a virtual maior produtividade duma leitura radiante, aceitando à letra aquilo que teria sido a verificação final de Fernando Pessoa: eu não sou eles. E talvez que «O Ano da Morte de Ricardo Reis» seja, em mais de quatrocentas páginas de prosa, tão-somente uma leitura que caminha ao longo de um raio, uma trajectória vital e poética a que nenhum outro poema pode ser juntado, mas em que se admite como plausível uma vida outra, que é mentira e por isso verdade outra, como a máscara é um rosto outro. Talvez seja preciso escrever também sobre os anos da morte de Alberto Caeiro, de Álvaro de Campos, de Bernardo Soares, para que sejam, cada um deles, cada vez menos Fernando Pessoa, como Fernando Pessoa os quis.

Há vertigem neste jogo. As máscaras olham-se sabendo-se máscaras. Usam um olhar que não lhes pertence, e esse olhar, que vê, não se vê. Colocamos no rosto uma máscara e somos outro aos olhos de quem nos olhe. Mas de súbito descobrimos, aterrados, que, por trás da máscara que afinal não poderemos ser, não sabemos quem somos. Está portanto por saber quem é Fernando Pessoa.

In JL. Lisboa, 26 de Novembro de1985



*** Texto - aqui.




terça-feira, 22 de novembro de 2011


10ª. semana ~ de 21 a 25 de novembro







  • Leitura(s)

- "A MÃO QUE ME FEZ"


e/ou em

Abraço, pp. 49-51.



  • Ouvir e Escutar
Fernando Alves

Sinais - TSF





segunda-feira, 7 de novembro de 2011


8ª. semana ~ de 7 a 11 de novembro







  • Entrega e correção dos testes.



[ - Pareidolia; - testes dos borrões de Rorscharch; - Dicionário do Cético]











segunda-feira, 31 de outubro de 2011


7ª. semana ~ de 31 de out. a 4 de novembro




Picasso, Mulher em frente ao espelho. 1932




  • "Diante do espelho", texto de José Saramago (pág. 143).
  • Imagens - leitura, compreensão.
  • Reflexão: o provérbio judaico (pág. 145).

  • Teste sumativo - estrutura. Que dúvidas?





segunda-feira, 24 de outubro de 2011


6.ª semana ~ de 24 a 28 de outubro




L. V. Beethoven






  • Modo conjuntivo.
  • "Retrato do artista quando jovem" - crónica de António Lobo Antunes.
  • Leitura. Compreensão.
  • Questionário orientado.




— Tenho ciúmes de tudo aquilo cuja beleza não morre. Tenho ciúmes do retrato que você pintou de mim. Porque há-de ele conservar o que eu tenho de perder? Cada momento que passa rouba-me a mim qualquer coisa e acrescenta-lhe qualquer coisa a ele. Quem me dera que fosse de outra maneira! Que o retrato mudasse e eu permanecesse sempre o mesmo que sou! Porque o pintou? Há-de escarnecer de mim, há-de escarnecer de mim, há-de escarnecer de mim horrivelmente!

Irromperam-lhe dos olhos lágrimas ardentes; retirou violentamente a mão das do pintor e atirou-se para o divã, em cujas almofadas escondeu a cabeça, como se rezasse.

Oscar Wilde, O Retrato de Dorian Gray

Tradução de Artur Parreira


Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.


Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.


Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Cecília Meireles





sexta-feira, 21 de outubro de 2011


5.ª semana ~ de 17 a 21 de outubro





Mário Eloy Pereira, Retrato de Matilde Pereira

(óleo sobre tela - 1923 - coleção particular)




  • As conjunções.
  • O retrato.
  • Trabalho de pares em torno de: olhar - ver. O espelho.


- T.P.C. -

A SENHORA DO RETRATO

Os retratos a óleo fascinam-me. E ao mesmo tempo assustam-me. Sempre tive medo que as pessoas saíssem das molduras e começassem a passear pela casa. Para falar verdade, estou convencido que isso aconteceu algumas vezes. Em certas noites, quando eu era pequeno, ouvia passos abafados e tinha a sensação de que a casa ficava subitamente cheia de presenças. Ainda hoje não gosto de atravessar os longos corredores das velhas casas com grandes retratos pendurados nas paredes. Há olhos que nos seguem do alto e nunca se sabe o que de repente pode acontecer.

Havia na casa da tia Hermengarda um quadro deslumbrante. Ficava ao cimo das escadas, à entrada do corredor que dava para os quartos de dormir. Mesmo assim, rodeado de sombras, irradiava uma luz que só podia vir de dentro da dama do retrato. […]

Manuel Alegre, in O Homem do País Azul





sexta-feira, 14 de outubro de 2011


4ª. semana ~ de 10 a 14 de outubro











  • Orientada pela prof.ª bibliotecária, Julieta Silva, visita ao CR/BE.




sexta-feira, 7 de outubro de 2011


3.ª semana ~ de 3 a 7 de outubro







Da contracapa do livro de Mário Zambujal:

"Era um tempo em que havia tempo. Até se escreviam cartas de amor"

(Tópico para reflexão)



  • Texto da página 127 - Rosa Lobato Faria, "Na prisão escrevem-se cartas", Romance de Cordélia - Leitura, interpretação e comentários.
  • Texto da página 132 - Maria Teresa Maia Gonzalez, "Carta de 15 de Outubro", A Lua de Joana - Resposta a questionário orientado.
  • Oficina de escrita.



PEÇAS DE MUSEU



Acabo de sofrer uma das maiores humilhações da minha vida. Ainda por cima aqui no meu bairro, as pessoas a olharem para mim com aquele sorriso de meia boca, género «coitadinha, não liguem».

Ia eu, muito pacificamente pela rua acima, deitar umas cartas no marco do correio, quando oiço estalar uma gargalhada a acompanhar o vozeirão do meu amigo Fernando que ali, em altos berros, para toda a gente ouvir, me reduzia à insignificância de ainda precisar de usar um objecto tão obsoleto e anacrónico (a expressão, obviamente, é dele). Olhei em roda à procura do tal objecto, que eu não descobria em parte nenhuma, mas ele não parava de falar e de rir, que há não sei quanto tempo não via uma pessoa servir-se daquilo, que se tivesse ali uma máquina fotográfica até registava o momento, se eu não sabia que havia uma coisa chamada computador e outra coisa chamada e-mail, e ria, e ria, e as pessoas passavam, olhavam, e riam com ele, e eu ali, finalmente a perceber que era do pobre marco do correio que ele falava.

Lembrei-me, então, de outra vez em que uma coisa semelhante se tinha passado comigo, embora não tão ostensivamente humilhante, coisa bem mais pacata e silenciosa. Estava eu nessa altura de férias no Luso, a tentar escrever alguma coisa à mesa do café. Faltou-me a tinta e rapo de um tinteiro pequeno que tinha acabado de comprar e, logo ali, encho a caneta. É então que uma das empregadas se especa à minha frente, mãos espalmadas na barriga, e murmura: «Jasus! Desde o tempo da minha escola primária que eu não via uma pessoa fazer isso!»

Pois é. Eu escrevo cartas. À mão. Com caneta. Com tinta. E – o que ainda torna tudo muito pior – gosto muito. E tenho muita pena que esse prazer se esteja a perder. Às vezes penso que o progresso e os avanços (tecnológicos e não só) estão a fazer desaparecer alguns dos grandes prazeres da nossa vida. Para já, a enorme loucura da pressa com que sempre andamos fez-nos perder o prazer de ter tempo para perder tempo.

Come-se em pé no balcão da esquina, e a correr, porque atrás de nós estão mais dois ou três à espera do lugar.

E o pão que comemos não sabe a pão, feito à pressão naquelas casas que substituíram as honradas padarias e se chamam «boutiques do pão».

E a maçã que comemos não sabe a maçã, feita em estufas, toda do mesmo tamanho e com aquele aspecto que até parece que saiu da história da Branca de Neve, e onde nenhum bicho entra, porque o bicho é esperto e nós não.

E depois há o telemóvel para resolvermos negócios enquanto estamos a atravessar o passeio, para não perdermos alguns minutos, e quando nos enfiamos no comboio nem sequer olhamos para a paisagem porque ligamos imediatamente o nosso PC portátil, e fazemos da carruagem a extensão do nosso escritório, perdendo todo o prazer da viagem.

E escrever cartas. O prazer de tocar no papel, de sentir o aparo deslizar, de saborear as palavras que se vão alinhando, o prazer de escrever cartas de amor ridículas, cartas de adeus desesperadas, cartas banais da pequena intriga familiar, cartas enormes como as que escrevíamos na nossa adolescência, quando os amigos nos faziam tanta falta e os dias eram desmesuradamente grandes.

E olho para as prateleiras da estante, com aqueles volumes de correspondência de escritores, que sabe tão bem ler, e penso que tudo isso vai acabar também, e as cartas, e os selos, e os bilhetes postais, e os marcos-de-correio-de-portinha-ao-centro, e as canetas e os tinteiros vão transformar-se muito rapidamente em peças de museu para mostrarmos aos netos dizendo «a avó ainda usou isto» e eles a olharem para nós e a não acreditar.

Alice Vieira, Pezinhos de Coentradas





segunda-feira, 26 de setembro de 2011


2ª. semana ~ de 26 a 30 de setembro








Correspondência


Vejo as nuvens que avançam do Atlântico
para o continente. E, por trás delas, como um pastor
exigente, o vento que as empurra. Depois,
as nuvens passam e volta o sol, com o azul
imutável das manhãs de outono, monótono e distante
como quem o olha, ao sair de casa, sem
tempo para pensar no tempo.

As nuvens, no entanto, continuam
o seu caminho: umas, desfazem-se em água
sobre campos vazios, ou descem para as grandes
cidades para as abraçar com um tédio
enevoado. As que me interessam, porém,
são as que sobem para norte, e ficam
mais frias à medida que as pressões continentais
abrandam o seu curso. Então, param
em dias cinzentos; e, por fim, escurecem
a tua alma, quando as olhas, e te apercebes
de que se aproxima um inverno
de solidão.

A não ser que leias, nesse obscuro céu,
esta carta que te mando.


Nuno Júdice, O Movimento do Mundo





  • Acordo ortográfico.
  • Escrita criativa.
  • Correspondência. A carta.




  • Imagens - fotografias do exercício 3: ilustração, com título, do texto criativo.




quinta-feira, 22 de setembro de 2011


a visita do Ricardo ;)




Ricardo Morais, Fernando Pessoa

a surpresa

da visita - da prenda

(Ricardo aqui,na A.A.: 2008-2009/2010-2011)




segunda-feira, 19 de setembro de 2011


1.ª semana ~ de 19 a 23 de setembro




  • Apresentação.
  • Fichas.
  • Conversa informal.
  • Diagnose.






  • Imagens - fotografias do exercício 3: ilustração, com título, do texto criativo.





ANO LETIVO DE 2011-2012













quarta-feira, 15 de junho de 2011


votos de BOAS FÉRIAS





do Edmar Patrick Santy ~12.º ano - turma c




sábado, 4 de junho de 2011


34.ª semana ~ de 6 a 9 de Junho





Raquel Silveira ~ 11.º ano ~ turma - n

no trabalho de português - ilustração para "A Débil"




  • Dizem "o meu poema":
  • 2.ª feira, dia 6 de Junho: Ana Teresa, João Oliveira, Raquel Oliveira, Sara Martins, Sandro Passos, Verónica Rodrigues




sábado, 28 de maio de 2011


33.ª semana ~ de 30 de Maio a 3 de Junho




Margarida Catela ~11.º ano ~turma - n

no trabalho "A Questão Social" em Cesário Verde




  • Dizem 'o meu poema':
  • 2.ª feira, dia 30 de Maio - Daniela Campos, Luís Silva, Marta Ribeiro, Sara Lucas, Sebastião Castro, Tatiana Carvalho





sexta-feira, 20 de maio de 2011


32.ª semana ~ de 23 a 27 de Maio





Carlos Botelho,Lisboa e o Tejo, Domingo, 1935






O SENTIMENTO DE UM OCIDENTAL

I

AVE-MARIAS


  • Cláudia Falley




  • João Villas Boas




  • Maria Inês






  • Do programa da rtp2, "Um poema por semana" de Paula Moura Pinheiro



***




Degas, Repasseuses, 1884-1886



  • Dizem 'o meu poema':

  • 2.ª feira, dia 23 - Duarte Lima, Filipa Rivera, João Sobral e Laura Oliveira.

  • 3.ª feira, dia 24 - Bruna Gonçalves, Duarte Alves, Mafalda Gonçalves, Margarida Catela, Sara Ruano






 Almada Negreiros, A Engomadeira,1938





Degas, Engomadeira sobre Toalha, 1869




Picasso, Mulher a Passar a Ferro, 1904




quarta-feira, 18 de maio de 2011


31.ª semana ~ de 16 a 20 de Maio






Degas, Mary Cassat no Louvre




  • Cesário Verde:
  • "A débil"




***

Em ‘A Débil’, o narrador parece ter já sucumbido completamente à influência corruptora da cidade. Quando ‘ela’ surge, está sentado num ‘café devasso’, bebendo absinto, como qualquer decadentista bem integrado na vida da cidade. Mas a visão da inocente ‘débil’ faz com que reconheça a cedência moral à moderna ‘Babel’ em que tinha caído. A mera presença dela recorda-lhe até que ponto se esquecera de si mesmo; ela é como um mensageiro do ‘outro mundo’ de valores opostos aos valores corruptos da cidade. […]

Ele é feio; ela é bela; ele é sólido; ela é frágil. Ele é leal; ela é assustada. A surpreendente justaposição de ‘leal’ com ‘assustada’ obriga a que a palavra ‘sólido’ seja entendida simultaneamente no seu sentido literal e figurativo. E é a ‘solidez’ moral do narrador (apesar da sua pose satanista) que permite que ele sinta ‘lealdade’ pela frágil beleza da ‘débil’. Essa beleza representa uma condição oposta àquilo que a sua possuidora naturalmente teme e que é explicitamente relacionado com a sua presença na cidade (‘fraca e loura, / Nesta Babel…), de cujo efeito corruptor (‘… Babel tão velha e corruptora…’) – a antítese da existência honesta, de cristal’ que ela faz desejar – o narrador tem o impulso de defendê-la com o seu braço protector.

Helder Macedo, in Nós: Uma Leitura de Cesário Verde.

Lisboa, Plátano Editora, 1975






Degas,l'Absinthe, 1884


***




Bonnard, Antes do jantar, 1924




  • "Num bairro moderno"


Em ‘Num Bairro Moderno’ até o título nos convida logo a uma adesão a determinada realidade concreta. «Ruas macadamizadas», «casas apalaçadas», forradas interiormente de «papéis pintados». A mancha de uma Lisboa burguesa a impor-se aos velhos quarteirões – aos pombalinos, aos das ruelas estreitas e escuras. Perante ela, como reage a consciência poética de Cesário? Reacção inesperada, que é, bem mais do que um puro efeito literário, um mero exercício de retórica: o bairro passa a segundo plano, destaca-se dele a vendedeira. […]

E do retalho de horta, como que por artes mágicas, o campo instala-se em plena cidade. Melancias, repolhos, azeitonas, nabos, cachos de uvas, melões, ginjas, tomates, cenouras, alfaces, hortelã dir-se-ia que se humanizam na visão transfiguradora do poeta.

Joel Serrão, in Interpretação, Poesias Dispersas e Cartas Coligidas e Anotadas. Lisboa, Editorial Minerva, 1942


**

A visão plástica é a qualidade predominante na organização lírica de Cesário, que, no seu especial poder de associar imagens visuais, consegue arrancar poesia do que há de mais trivial e menos poético […]

Miranda de Andrade, Sobre o Lirismo de Cesário Verde,

in Ocidente, Maio, 1955

**

Poeta da cidade, um dos maiores em qualquer tempo e em qualquer língua, por isso mesmo que genuíno, original, profundamente renovador, quer ao descrever os quadros e os tipos citadinos, quer ao denunciar, em sóbrias palavras, as atitudes subjectivas provocadas pela vida exterior.

Jacinto do Prado Coelho, Problemática da História Literária, Lisboa, 1962





Arcimboldo - O Verão - O Outono(1573)




sexta-feira, 13 de maio de 2011


30.ª semana ~ de 9 a 13 de Maio





Klimt, 1909



  • "Deslumbramentos" - Cesário Verde.


Em Cesário Verde são frequentes os poemas dedicados a figuras femininas, englobáveis no ciclo da grande dama ou da dama fatal, cuja carga erótica se propaga ao sujeito, provocando-lhe um irreprimível fascínio por esse género de mulheres frias, impassíveis e distantes, geralmente aristocratas, cuja beleza glacial atrai magneticamente e cujo coração feito de diamante o poeta não desiste de tentar derreter.
Fernando Pinto do Amaral, prefácio a Poesia de Cesário Verde.




**** consultar "Cesário Verde"



Henrique Pousão, Mulher da água, 1882





Degas, L´étoile - la danseuse sur la scène, 1878 ~ aqui





segunda-feira, 2 de maio de 2011


29.ª semana ~ de 2 a 6 de Maio






Manet, Déjeuner sur l'herbe ~ aqui



A analogia entre o poema e uma aguarela é totalmente justificada. “De Tarde” é um quadro impressionista transposto em palavras – um “Déjeuner sur l’herbe” – que especificamente se dirige à imaginação visual do leitor: no primeiro plano, o vermelho intenso das papoulas que emergem de um decolleté rendilhado contrasta, em cor e textura, com as “duas rolas” brancas dos seios de uma rapariga que sobressai de entre os pequenos grupos que merendam, sentados em volta de dourados melões, damascos, um bolo, uma garrafa de vinho doce:

Pouco depois, em cima duns penhascos,

Nós acampámos, inda o Sol se via;

E houve talhadas de melão, damascos,

E pão-de-ló molhado em malvasia.

No fundo, os “burricos” pardos, o azul surpreendente de um campo, e o sol vermelho do fim da tarde.

Os pormenores da composição podem variar na imaginação individual de cada leitor, mas o seu ponto dominante tem inevitavelmente de ser o “ramalhete rubro das papoulas”:

Mas, todo púrpuro a sair da renda

Dos teus dois seios como duas rolas,

Era o supremo encanto da merenda

O ramalhete rubro das papoulas!

Helder Macedo, in Nós: Uma Leitura de Cesário Verde, Lisboa, Plátano Editora, 1975





Ana Teresa ~ 11.º ano ~ turma-n

[…] uma merenda ao pôr do sol com “…talhadas de melão, damascos / E pão-de-ló molhado em malvasia”. Pouco antes da merenda uma rapariga, que imaginamos loira, pois era de loiras que Cesário gostava, descendo do inevitável “burrico” – dizemos inevitável por os jumentos constituírem nessa época um atributo tão essencial nos pic-nics como no século XVIII os carneiros nas festas campestres – vai colher

A um granzoal azul de grão-de-bico

Um ramalhete rubro de papoulas.

E, com ele entalado nas rendas do seio, acampa depois “em cima duns penhascos” onde há doces, frutas e garrafas de vinho fino… É tudo. Mas este pouco basta. A fugitiva impressão, o quadrinho apenas esquissado, com as suas flores campestres, a sua paleta azul e vermelha, a sua sugestão de seios femininos dão-nos, na verdade, uma sensação de sensualidade repousada e feliz. Estamos, não há dúvida, perante um Renoir – e dos autênticos.

João Pinto Figueiredo, in Cesário Verde – A obra e o Homem, Lisboa, Arcádia, 1981



**** voluntário(s), há? - para fazer a leitura de:



Pál Szinyei Merse, Piquenique, 1873



Picasso, Le déjeuner sur l’herbe – “O almoço sobre a relva”
(d’après Edouard Manet), 1960 ~aqui




terça-feira, 26 de abril de 2011


28.ª semana ~ de 26 a 29 de Abril






  • Cesário Verde.


CESÁRIO VERDE visto por poetas portugueses - aqui - Colóquio/Letras -

número
especial de homenagem a C.V.,

no centenário da sua morte .


Três Mestres

Houve em Portugal, no século XIX, três poetas, e três somente, a quem legitimamente compete a designação de mestres. São eles, por ordem de idades, Antero de Quental, Cesário Verde e Camilo Pessanha. […]

Com Antero de Quental se fundou entre nós a poesia metafísica, até ali não só ausente, mas organicamente ausente, da nossa literatura. Com Cesário Verde se fundou entre nós a poesia objectiva, igualmente ignorada entre nós. Com Camilo Pessanha a poesia do vago e do impressivo tomou forma portuguesa. Qualquer dos três, porque qualquer um homem de génio, é grande não só adentro de Portugal, mas em absoluto. […]

A cada um de só três poetas, no Portugal dos séculos XIX e XX, se pode aplicar o nome “mestres”. São eles Antero de Quental, Cesário Verde e Camilo Pessanha. Concedo que se lhes anteponham outros quantos ao mérito geral; não concedo que algum outro se possa antepor a qualquer deles nesse abrir de um novo caminho, nessa revelação de um novo sentir, que em matéria literária propriamente constitui a mestria. É mestre quem tem de ensinar; só eles, na poesia portuguesa desse tempo, tiveram que ensinar.

O primeiro ensinou a pensar em ritmo; descobriu-nos a verdade de que o ser imbecil não é indispensável a um poeta. O segundo ensinou a observar em verso; descobriu-nos a verdade de que ser cego, ainda que Homero em lenda o fosse e Milton em verdade se tornasse, não é qualidade necessária a quem faz poemas. O terceiro ensinou a sentir veladamente; descobriu-nos a verdade de que ser poeta não é mister trazer o coração nas mãos, senão que basta trazer nelas a sombra dele. […]

Fernando Pessoa




METEMPSICOSE

Ardentes filhas do prazer, dizei-me!
Vossos sonhos quais são, depois da orgia?
Acaso nunca a imagem fugidia
Do que fostes, em vós se agita e freme?


Noutra vida e outra esfera, onde geme
Outro vento, e se acende um outro dia,
Que corpo tínheis? Que matéria fria
Vossa alma incendiou, com fogo estreme?

Vós fostes nas florestas bravas feras,
Arrastando, leoas ou panteras,
De dentadas d'amor um corpo exangue...


Mordei pois esta carne palpitante,
Feras feitas de gaze fluante!
Lobas! Leoas! sim, bebei meu sangue!

in Primaveras Românticas, (1863 a 1865)
Poesias de Antero de Quental, Seara Nova 1981

A UMA MULHER

Para tristezas, para dor nasceste.
Podia a sorte pôr-te o braço estreito
Nalgum palácio e ao pé de régio leito,
Em vez deste areal onde cresceste:

Podia abrir-te as flores - com que veste
As ricas e as felizes - nesse peito;
Fazer-te... o que a Fortuna há sempre feito...
Terias sempre a sorte que tiveste!

Tinhas de ser assim... Teus olhos fitos,
Que não são deste Mundo e onde eu leio
Uns mistérios tão tristes e infinitos,

Tua voz rara e esse ar vago e esquecido,
Tudo me diz a mim, e assim o creio,
Que para isto só tinhas nascido!

in A Geração de 70 - Sonetos de Antero de Quental,
Prefácio de Oliveira Martins, Circulo de Leitores, 1987




FLORIRAM POR ENGANO AS ROSAS BRAVAS


Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?

Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que num momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópele de gelos...

Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze - quanta flor! - do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?


in Clepsidra e outros poemas,
Colecção Poesia, Edições Ática 1973

DESEJOS

Se medito no gozo que promette
A sua bocca fresca e pequenina
E o seio mergulhado em renda fina,
Sob a curva ligeira do corpete,

Desejo, nun's transportes de gigante,
Estreital-a de rijo entre os meus braços,
Até quasi esmagar n'estes abraços
A sua carne branca e palpitante;

Como, d'Asia nos bosques tropicaes,
Apertam em spiral auri-luzente,
Os muscullos herculeos da serpente
Aos troncos das palmeiras collossaes...

E como ao depois, quando o cansaço
A sepultura na morna lethargia,
Dormitando repousa todo o dia
À sombra da palmeira o corpo lasso;

Eu quizera tambem, adormecido,
Dos phantasmas da febre ver o mar,
Mas sempre sob o azul do seu olhar,
Envolto no calor do seu vestido;

Como os ébrios chineses delirantes
Aspiram, já dormindo, o fumo quieto
Que o seu longo cachimbo predilecto
No ambiente aspalhava pouco antes...

in Clepsydra