terça-feira, 19 de outubro de 2010


6.ª semana ~ de 18 a 22 de Outubro




  • Exórdio.
  • Conceito predicável - Vos estis sal terrae.










  • Vieira - cronologia - aqui.




Painel de azulejos na Igreja da Lourinhã





Se não erramos muito, nunca se escreveu um português mais claro, mais próprio, mais natural, de maior fluência, de mais vivo ritmo, que o da obra oratória do padre Vieira. Ao invés daquilo que se tem afirmado, o que há de excêntrico nos seus sermões não reside na forma literária deles, mas no pensamento – ou, antes, na maneira de provar e de argumentar (e excêntrico sim para o nosso tempo, não para o tempo em que viveu o autor e para aquelas sociedades em que se fez ouvir). Como dissemos algures, para denotar o artifício da literatura ibérica nesse século de Seiscentos em que ele viveu não encontramos melhor termo do que o de barroquismo. Ora, pode-se ser barroco por dois modos diversos, os quais se acompanham na maior parte dos casos, mas não sempre: o cultismo e o conceptismo, sendo o cultismo um artifício de forma, ao passo que o conceptismo o é de conteúdo. Deriva o cultismo do relevo da linguagem ou dos factores pictóricos e dos musicais; o conceptismo, pelo contrário, consiste na busca das relações fictícias, de vínculos artificiais entre as ideias das coisas – vínculos arbitrários para o pensamento lógico, mas não arbitrários para o «agudo engenho». Analisado, resolve-se o cultismo nos factores seguintes: extravagância da linguagem (exagero nas riquezas de vocabulário, nos boleios arrevesados, nas inversões de palavras); superabundância de descrição alegórica; excessos nas metáforas, nas antíteses, nas hipérboles; jogos verbais (calemburgos, trocadilhos, duplos sentidos, semelhanças de sons); e o conceptismo, por seu lado, consiste em artifícios de ideação, na busca de extravagâncias de pensamento. Ora, é fácil verificar que em António Vieira não há verdadeiramente linguagem «culta», pois usa uma elocução de simplicidade diáfana, de propriedade rigorosa, de naturalidade suma: há sim conceptismo e conceptismo só.

António Sérgio, in Prefácio de

Sobre as Verdadeiras e Falsas Riquezas, de António Vieira.

Textos Literários, Seara Nova





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