
- Sermão de Santo António aos Peixes - ficha de trabalho do manual.
- Texto argumentativo - tópicos linguísticos.
"Todo aquele que abre um livro entra numa nuvem/ou para beber a água de um espelho/ ou para se embriagar como um pássaro ingénuo" António Ramos Rosa
Se não erramos muito, nunca se escreveu um português mais claro, mais próprio, mais natural, de maior fluência, de mais vivo ritmo, que o da obra oratória do padre Vieira. Ao invés daquilo que se tem afirmado, o que há de excêntrico nos seus sermões não reside na forma literária deles, mas no pensamento – ou, antes, na maneira de provar e de argumentar (e excêntrico sim para o nosso tempo, não para o tempo em que viveu o autor e para aquelas sociedades em que se fez ouvir). Como dissemos algures, para denotar o artifício da literatura ibérica nesse século de Seiscentos em que ele viveu não encontramos melhor termo do que o de barroquismo. Ora, pode-se ser barroco por dois modos diversos, os quais se acompanham na maior parte dos casos, mas não sempre: o cultismo e o conceptismo, sendo o cultismo um artifício de forma, ao passo que o conceptismo o é de conteúdo. Deriva o cultismo do relevo da linguagem ou dos factores pictóricos e dos musicais; o conceptismo, pelo contrário, consiste na busca das relações fictícias, de vínculos artificiais entre as ideias das coisas – vínculos arbitrários para o pensamento lógico, mas não arbitrários para o «agudo engenho». Analisado, resolve-se o cultismo nos factores seguintes: extravagância da linguagem (exagero nas riquezas de vocabulário, nos boleios arrevesados, nas inversões de palavras); superabundância de descrição alegórica; excessos nas metáforas, nas antíteses, nas hipérboles; jogos verbais (calemburgos, trocadilhos, duplos sentidos, semelhanças de sons); e o conceptismo, por seu lado, consiste em artifícios de ideação, na busca de extravagâncias de pensamento. Ora, é fácil verificar que em António Vieira não há verdadeiramente linguagem «culta», pois usa uma elocução de simplicidade diáfana, de propriedade rigorosa, de naturalidade suma: há sim conceptismo e conceptismo só.
António Sérgio, in Prefácio de
Sobre as Verdadeiras e Falsas Riquezas, de António Vieira.
Textos Literários, Seara Nova